AUTOENGANO, ARTE E TRAGÉDIA EM SCARLET STREET DE FRIZ LANG
Em entrevista concedida a Jean Domarchi e Jacques Rivette em setembro de 1959 Fritz Lang responde que um de seus objetivos como cineasta era traduzir as emoções humanas.
Scarlet Street traduzido no Brasil com o nome de Almas Perversas é uma dessas incursões, acompanhamos as personagens principais Chriss Cross (Edward G. Robinson), Kitty (Joan Bennet) , e Johny (Don Duryea) enredadas em uma trama de autoengano , traição , tragédia e carência.Além deles temos as personagens coadjuvantes Millie (Margaret Lindsay) e Adele (Rosalind Ivan)
Lang conta uma história simples , Chriss Cross um homem de meia idade se apaixona por uma mulher mais jovem : Kitty, aqui estão marcados a qualidade do trabalho de atriz de Joan Bennet , atriz tardiamente reconhecida por seu talento e carisma.
Kitty é apaixonada pelo vigarista Johny que a extorque e humilha em troca de um suposto noivado que ela aguarda com entusiasmo, Chriss Cross é casado com Adele (Rosalind Ivan) e extremamente infeliz no casamento , trabalha como caixa e leva uma vida comum, a distinção que guarda são suas pinturas.
Chriss Cross e Kitty tem diálogos interessantes onde questionam qual o objetivo da arte. Fruição? Diversão? Chriss afirma pintar por diversão e prazer, quando recebe uma flor de Kitty faz uma pintura que não reflete uma cópia exata da flor , e sim como ele se sente ao olhar para a planta, sua esposa Adele não compreende o sentido de suas pinturas e pergunta durante todo o filme qual a serventia de algo que não dá dinheiro.
Cross se apaixona por Kitty e num diálogo onde nenhum dos dois se apresenta como quem de fato são iniciam-se os desenganos, em troca de dinheiro e um apartamento Kitty aceita encontrar Cross durante a semana, o dinheiro que ela extorque dele entrega a Johny que acredita em mais um auto engano ser seu verdadeiro amor.
O triângulo amoroso avança até o clímax , o filme revela aspectos da superficialidade das relações amorosas e questiona a capacidade das personagens de amar, inclusive a si mesmas, sobretudo quando o ser amado e almejado é reflete uma busca pelo sucesso e não pelo encontro.
A única coisa verdadeira em todo o filme são as pinturas de Cross, elas revelam sua falta de estudo das técnicas artísticas devido à sua origem pobre e sua capacidade de criar singularidade e felicidade em meio a vida cotidiana.
Aí estão diversos elementos do filme noir: suspense, traição, mania , tramas sinistras, a femme fatale de Friz Lang é diferente das clássicas do cinema americano. o cineasta alemão retrata a personagem de Joan Bennet com várias nuances: ora vigarista, ora apaixonada, ingênua e infeliz, o sonho de ser atriz acalentado pela personagem parece ser um espelho de como se porta na vida, sempre representando um novo papel de si mesma.
Assim como Chriss Cross, que mesmo com sua arte ocupando um espaço alegre e caloroso de sua existência trabalha em uma profissão (que não creio ter sido escolhida ao acaso) a de caixa em que ve muito dinheiro passar por sua mão todos os dias em contraste total com sua posição como um artista que não comercializa suas obras e pinta por puro prazer.
De tudo, sobrevivem e se mantém no tempo a arte das pinturas de Cross que também retratam Kitty.
Scarlet Street reflete a experiência de estar vivo abafada pelo auto engano e a busca pela paixão.
O cinema de Fritz Lang foi homenageado em mostra do Centro Cultural Banco do Brasil. Para ter acesso a esse material é esse o link: https://www.bb.com.br/docs/portal/ccbb/FritzLang.pdf
Edward G. Robinson e Joan Bennet em cena de Scarlet Street. Imagem: The Culture Print
No estudo da história tempo e o espaço são determinantes para entender como se dão os processos históricos, a partir desses conceitos articulamos como mulheres, homens, pessoas não binárias existem em contextos temporais e também políticos , seguindo essas linhas de pensamento chegamos a conclusão de a partir da articulação de tempo e espaço foi possível alargar o estudo dos objetos da história desde a cartilha pela qual passa todo estudante da disciplina: A apologia da história de Marc Bloch .
Para pensarmos na ideia do looping temporal usado no curta Dois Estranhos indicado ao Oscar que é dirigido por Dragon Tree e Martin Desmond Roe esses conceitos de tempo e espaço são interessantes.
O curta tem uma sinopse simples: um jovem negro vivido pelo charmoso Joey Bada$$ depois de passar a noite com uma mulher interpretada pela atriz Zaria Simone tenta chegar em casa sendo interrompido sempre pelo mesmo policial, num looping que sempre leva ao mesmo encontro. do começo do filme.
Com uma ideia relativamente simples, mas não tão nova, o curta expõe e não aponta a saída, eivado de moralismo ou algo similar ele se interrompe onde poderia se tornar um fracasso. O tempo aqui deixa de importar como centro da narrativa é 2021 mas poderia ser 1961 e ainda faria sentido, a questão posta é a do espaço.
No espaço social, político e imaginário em que nos localizamos e também as personagens estamos todos dentro do looping, não há mudança dentro dele tal como as coisas estão postas. Se quem se senta à mesa nunca se levanta, como mudar?
Já disse aqui que estou cansada de ver pessoas pretas morrendo na dramaturgia, sendo espancadas, estupradas e tratadas como idiotas, me parece que há um gozo nessa reedição de corpos sendo violentados sempre e sempre tal como num looping. Mas nesse filme temos uma personagem que sempre (re)vive de alguma forma no mesmo lugar seguro, ao lado de uma mulher depois de uma boa noite juntos.
O roteirista do curta que também é um dos diretores é humorista e usa desse senso quando conversa direto com nossos brios ao fazer o jovem questionar o tira de uma forma que uma pessoa negra naquele contexto jamais faria. Mas não é a realidade, é um filme.
Dois estranhos incomoda por vários motivos, sobretudo pelos “defeitos” que encontramos no uso das palavras, a conversa entre o tira e Carter é uma sucessão de palavras em que os dois falam ,e mesmo quando parecem se escutar, as palavras vão produzindo um vazio, uma distância, pois se trata justamente dos defeitos da língua, de quando se fala mas não pensa o que se diz como num grande mal entendido.
Da lata de lixo da sociedade para evocar um argumento de Lélia Gonzalez emerge a personagem de Carter com sua história, com sua nova oportunidade, atravessando um looping e sempre tendo mais uma chance.
A Morte Branca do Feiticeiro Negro é o título de um livro de Renato Ortiz sobre a Umbanda Brasileira enquadrada na obra a partir de uma abordagem sociopolítica que lê as religiões à luz dos enquadramentos sociais.
E esse também é o título do documentário experimental dirigido pelo cineasta Rodrigo Ribeiro que recupera a partir de documentos a carta de suicídio do escravizado Timóteo que morreu em Salvador em 1861.
A partir da colagem de imagens, fotos, acompanhadas da carta escrita por Timóteo somos levados em uma espiral de horror a pensar nas nuances do adoecimento de pessoas negras no contexto de uma dinâmica de sequestro, apagamento, e trabalho forçado na escravidão.
A porta que leva a lugar nenhum, o jogo de claro e escuro proposto por Rodrigo Ribeiro aliado a sonoridade nos levam a perscrutar os possíveis caminhos que terão sido percorridos por Timóteo.
A sensação onírica que nos acompanha durante todo o filme causa ainda maior reflexão e incômodo.
As imagens que contrastam com as da Salvador atual nos dão boas pista de que o assunto é algo que ecoa e segue vivo naqueles que sobreviveram e estão aqui entre nós testemunhas de um tempo outro que se mistura com o tempo de agora.
O que de nós precisa deixar de existir para que possamos caber nessa sociedade? Este também um dos temas sobre os quais o filme leva a refletir.
Quantos apagamentos se operam no cotidiano e produzem morte e sofrimento psíquico para a população negra brasileira?
Como contar a vida daqueles a quem os arquivos históricos pouco alcançam?
Fabular é uma das maneiras da arte de recriar a partir da incorporação a vida daqueles que como Timóteo buscaram a insurgência.
Talvez escutar os resquícios do processo de adoecimento dos Timóteos nos ajude a curar os sequestros que ainda continuam a nos assombrar.
Daiana Rocha é graduada em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal do Espírito Santo. É sócia da produtora BULE Estúdio Criativo. Membra-fundadora do Coletivo de Cinema Negro Damballa e Coletivo Palavra Negra. Dirigiu e produziu a ficção Braços Vazios (2018), ganhador de três prêmios e exibido em mais de 20 festivais. É diretora dos documentários Arquitetura dos que habitam (2018) e o recente Verdade Peregrina (2021). Faz parte da atual gestão da Associação Brasileira de Documentaristas e Curtas Metragistas do Espírito Santo (ABD Capixaba). Atualmente integra a equipe de produção da Mocines - Mostra de Cinema Negro no Espírito Santo.
DAIANA COMO VOCÊ CHEGOU ATÉ O CINEMA?
Minha primeira opção no vestibular foi Filosofia. Não passei. Na segunda e terceira vez eu precisava escolher qual curso iria tentar. No início não conhecia muito bem o curso de Cinema e Audiovisual, havia poucas informações, era um curso novo na universidade. Tive a ajuda do meu companheiro Adriano Monteiro nessa escolha. Acabei escolhendo esse curso, gostei e fiquei. Ao longo dos semestres me dei conta do poder do cinema como construtor de imaginários e narrativas.
SEU FILME “BRAÇOS VAZIOS” ABORDA QUESTÕES RELACIONADAS AO EXTERMÍNIO DA JUVENTUDE NEGRA. COMO FOI TRATAR DESSE UNIVERSO E ESTAR TÃO PRÓXIMA DE PESSOAS QUE VIVENCIARAM ESSA SITUAÇÃO DECORRENTE DO RACISMO NO NOSSO PAÍS?
O curta-metragem Braços Vazios nasceu da urgência de se debater o genocídio da juventude negra pelas mãos do estado. Em 28 de novembro de 2015 aconteceu a tragédia de Costa Barros, no Rio de Janeiro: cinco jovens negros foram assassinados por policiais. Foi um fato que me trouxe muita revolta. Em 2016 decidi que este seria o tema do meu trabalho de conclusão de curso. Depois de diversas pesquisas, resolvi abordá-lo da perspectiva das mães. São as mães pretas que seguram uma barra que a gente não consegue imaginar, não temos noção. Isso desde quando esses meninos nascem. Tendo em vista, que muitas são mães solo. E o que vivemos no país hoje é um cenário terrível, pois ao invés de um estado com ampliação de políticas públicas que auxiliem essas mulheres no cuidado de seus filhos, estamos vendo o estado exterminá-lo. Iniciei a pesquisa identificando casos de jovens que foram assassinados por policiais em nosso estado. Por intermédio de amigos, fiz contato com algumas famílias e duas delas aceitaram participar do filme.
A etapa seguinte foi a elaboração do roteiro, formação de equipe de produção, processo de gravação e finalização do filme.
Foi um processo difícil porque ao mesmo tempo que eu pensava na construção das imagens do filme eu precisava lidar com a pesquisa de campo, com as entrevistas, olhar nos olhos daquelas mães, adentrar os seus traumas. Durante todo o processo eu tentei criar uma relação de confiança entre nós, entender os limites delas. Agradeço muito a essas duas mães que aceitaram participar do filme. A ficção de Braços Vazios nasceu desses diálogos. Foi um trabalho extremamente delicado e sensível. Todo projeto foi orientado pelo professor Dr. Klaus Bragança.
Não poderia deixar de citar o meu querido amigo Heitor Perpétuo, que foi o assistente de direção e preparador de elenco junto com a Láisa Freitas. Heitor nos deixou no início de 2019. Ele acompanhou todas as etapas de produção de Braços Vazios, sempre muito atento e prestativo. Se estivesse aqui, tenho certeza que estaria muito feliz com a trajetória do filme. Saudades!
COMO É FAZER PARTE DE UM COLETIVO NEGRO DE PRODUÇÃO AUDIOVISUAL COMO O DAMBALLA?
É uma grande responsabilidade porque é o primeiro coletivo de cinema negro do estado. Vejo o coletivo como um espaço de fortalecimento e aprendizado. Saber que podemos ser espelho para outrxs realizadorxs é com certeza uma das maiores motivações. Pois representatividade importa e importa muito.
Atualmente o Coletivo Damballa é formado por Délio Freire, Ingrid Rocha, Adriano Monteiro, Alexander S. Buck, Isabella Ferreira e Daiana Rocha. Em 2018 pautamos a implementação de ações afirmativas nos editais de audiovisual do estado. Fomos para a linha de frente. O resultado foi a aprovação das cotas em algumas linhas dos editais. Sabemos que é uma luta que ainda não acabou, precisamos também de mais diversidade na comissão avaliadora desses editais.
VOCÊ SE INTERESSA OU SE IDENTIFICA MAIS COM UM TIPO ESPECÍFICO DE ESTÉTICA PARA PENSAR SEUS FILMES?
Eu gosto da estética mais realista, próxima do documentário. Acho que dialoga com o tipo de filme que eu gosto de fazer.
QUE TIPO DE CINEMA PODE EMERGIR NO CONTEXTO DA PANDEMIA FEITO POR VOCÊ?
Um cinema atento aos detalhes do cotidiano que passam despercebidos. Como observar o movimento da rua no meio da tarde, ou a dança da fumaça que sai de um Palo Santo queimando. Eu realmente viajo muito nessas ideias...hahahh.
SE TIVESSE APENAS UMA OBRA SUA AUTORAL PARA LEGAR AO MUNDO O QUE GOSTARIA DE FAZER?
Gostaria de fazer um filme sobre o resgate da nossa ancestralidade. Um exercício de olhar para o nosso passado, quem veio antes de nós. Ultimamente tenho percebido muitas pessoas agindo de forma individualista, desrespeitando e promovendo uma espécie de apagamento das lutas e trajetórias dxs outrxs. Não fazem o esforço de lembrar daqueles e daquelas que lutaram para que estivéssemos aqui.
Essa é só uma das várias ideias que povoam minha mente.
QUAIS NOMES VOCÊ VEM ACOMPANHANDO NO CINEMA E QUE INDICA?
O cinema feito por realizadorxs como Anna Muylaert , Eduardo Coutinho, Krzysztof Kieslowski, Ingmar Bergman, Pedro Almodóvar, Viviane Ferreira, Juliana Vicente, Glauber Rocha, dentre outrxs, têm sido grandes referências quando adentro o processo de escrita dos meus roteiros, principalmente na criação dos personagens. Tive o privilégio de conhecer suas obras quando ainda estava na faculdade de cinema, e isso fez muita diferença na minha formação como realizadora negra.
Nesta seção ficam nossas resenhas de filmes, livros e cultura em geral. Teremos aqui colaboradores que farão essa caminhada diversa , embaralhada e interessante.
O uso da paleta de cores que destaca o amarelo e o vermelho nos trazem para dentro de um dia de calor e conflito no Brooklyn.A direção de fotografia do filme acerta ao criar ambientes iluminados, com forte colorido.
Nos momentos finais do filme a paleta muda, o dia termina e os tons de azul com foco para as lanternas dos carros policiais que iluminam a agonia de Rádio Jaheem.
As grandes personagens do filme são: Mookie, Sal, Rádio Jaheem e o próprio Brooklyn.
Rádio Jaheem , interpretado por Bill Nunn tem uma personagem de poucas falas , no entanto seu monólogo ( Quando fala diretamente conosco, o público) é o mais importante do filme.Nele aborda questões filosóficas sobre o amor e o ódio enquanto escolhas da humanidade refletidas em seus anéis dourados.
Conflitos raciais, xenofobia, gentrificacao, etarismo, estereótipos, metalinguagem estão todos ali.
O filme funciona como uma lupa que a partir de pequenos conflitos do cotidiano evidencia a estrutura sobre a qual a sociedade americana foi construída.
A história de " Faça a Coisa Certa " é inspirada em eventos reais como: a seca de 1988 que junto com as ondas de calor matou mais de 10.000 pessoas nos EUA e o assassinato em 1986 do jovem negro de 23 anos Michael Griffih.
No filme quando Rádio Jaheem é assassinado a multidão grita:" Howard Beach" local onde i jovem da vida real foi morto.
Para saber mais busque o TCC do historiador João Lucas França Brandão dedicado ao filme e matérias no NY TIMES que colocarei no link da bio.
Faça a coisa certa nos mostra que ainda faz sentido dizer:" Wake up" E " Fight the Power " nesses tempos de pandemia, genocídio e incerteza.
Ps: Spike Lee ganhou um Oscar pelo conjunto da obra em 2016 e outro por Infiltrado na Klan.
No ano de Faça a Coisa Certa o Oscar de melhor filme foi para: " Sexo, Mentiras e Videoteipe".#cinemanews #cinemanegro #spikelee # Dotherightthing#movies#intelectuaisnegras#
Em as filhas do Vento acompanhamos o reencontro de duas irmãs ( Thaís Araújo e Thalma de Freitas no primeiro ato)depois de quarenta e cinco anos no velório do Pai.
A maternidade no filme surge primeiro a partir de uma Mãe que comparece na memória.
É o Pai de Maria Aparecida e Maria D' Ajuda que na ausência materna dirige para a filha que mais se assemelha com a Mãe a profecia:" Vai ser artista" com profundo desgosto.
A época mulheres que eram artistas não tinham boa reputação como ilustra o filme.
A filha cumpre o desígnio paterno vai embora da pequena cidade e se torna atriz.Enquanto sua irmã Maria D' Ajuda permanece no interior onde cria as filhas , netas e toma conta do Pai , a essa altura já bem idoso.
A maternidade em As filhas do Vento é um testemunho de redenção, a Mãe de Cida e Maria D' Ajuda nunca é vista, mas existe na memória do Pai e vive nas lembranças da filha que sabe a razão de sua partida.
Com a partida do Pai em virtude de sua morte, as duas irmãs tem diante de si uma alternativa: a reconciliação ou permanecer como estavam sem contato.
Ao optarem pela reconciliação indiretamente as duas filhas reabilitam o legado da Mãe e o afeto que nutriam uma pela outra na juventude o que é retratado na cena final onde as duas ( suas personas jovens e as mais velhas)dançam na chuva.
O filme de Joel Zito funciona como um grande jogo de espelhos, vemos Cida , mas vemos também Dona Ruth de Souza, espécie de guia e referência para as atrizes negras mais jovens , refletindo a si mesma e a sua carreira, vemos Leia Garcia tendo sua beleza festejada e sua destreza ao conduzir a personagem que na juventude é interpretada por Thalma de Freitas.Alem das filhas feitas por Maria Ceiça e Dani Ornellas .
O diretor brinca com as representações coletivas para pensar em termos Durkheimianos e faz emergir como espelho as relações raciais, o patriarcalismo, a maternidade negra e a solidão da mulher negra, assim como os desafios da vida dos artistas.
As filhas do Vento é um filme importante e necessário que fala sobre nós, o Brasil.Ps: Tem completo no YT.
Em O Babadook de Jennifer Kent, a maternidade é apresentada como uma experiência de terror.
Amelie cria seu filho Samuel sozinha após a morte do Pai.
Um livro aparece sem explicação em sua casa com o título: o Babadook. Amelie entao mergulha em um mundo onde começa a questionar a própria sanidade e o amor por seu filho.
Amelie é caracterizada como uma mulher exausta, sonolenta, sempre a espera da próxima decisão a tomar para que o dia dela e de Samuel corra como o desejado.
Como já afirmei no vídeo discordo da ideia de que Babadook é a representação da depressão, como já afirmou Kent, Babadook é um descolamento da própria Amelie em uma situação de vulnerabilidade extrema que se vê diante do desafio de cuidar sozinha de si e de uma outra pessoa.
No filme Amelie encara Babadook e se mantém a salvo assim como seu filho.
A representação da maternidade aqui expõe questões centrais relacionadas ao maternar na contemporaneidade: quem cuida de quem cuida? Como é visto o trabalho dentro do lar? (Sobre isso reflete a autora Silvia Federici.)
O que a solidão materna revela sobre o lugar de mulheres como seres socialmente ativos e importantes? Qual a relação entre saúde mental, omissão do estado e maternidade?
Várias questões postas que somadas as levantadas por Araújo em As filhas do Vento: Racismo, patriarcalismo, machismo nos mostram que há muitas nuances e posições ocupadas por Mães de acordo com as intersecções de raça, classe, gênero e idade.
Para bem representar maternidades é preciso pluralidade de olhar, na frente das câmeras e fora delas, para que possamos ter no futuro espelhos melhores.Afinal sou partidária da premissa do Geena Davis Institute on Gender in Media" If she can see it, she can be it".
Na revista Cult de março de 2019, Maricia Ciscato reflete que a chegada de um bebê é sempre acompanhada de algo que não se espera.A chegada do filho nem sempre coincide com a chegada da Mãe, e para nós um país na periferia do capitalismo o maternar ainda é profundamente marcado pela desigualdade e ausência de políticas públicas.
Quem reabilitará nossos mortos? Quem contará suas histórias? Para quem nunca se ergue monumentos é preciso lembrar.
Diante da morte e do crime é preciso contar para dizer que estivemos aqui.
Apenas a reabilitação da memória e da história encerram os ciclos de morte e crime que nos assombram.
Atlantique de Mati Diop é um poema em forma de filme, um filme de arte, um convite para uma viagem rumo a Dakar, Senegal.
A história é simples e tem contornos sobrenaturais, Ada lida com os desafios de seu casamento arranjado com Omar enquanto ama e é amada por Soulemain.
Soulemain trabalha como operário na obra que levanta um arranha-ceu em Dakar.
Diante dos salários atrasados ele e os colegas de trabalho embarcam de navio rumo a Espanha sem que seus amores em terra tivessem conhecimento.
O barco naufraga, todos morrem.Entao, o filme inicia sua problemática principal.
Diop venceu o prêmio do júri em Cannes com o filme, a cineasta constrói uma história onde as personagens estão em constante diálogo com o mar, o fogo e a noite ( quando os fatos que movimentam a trama acontecem) .
O corpo é pensado como transporte, memória que se impõe e afirma diante da justiça que deve ser feita.
Em uma suave abordagem que reflete sobre o capitalismo, o trágico e a memória Diop lembra-me de Brecht ao demonstrar que é preciso assumir a narrativa e honrar as memórias dos que são mortos e que ergueram os arcos do triunfo, cozinharam nos festins, e construíram Tebas.
Para pensar no caso brasileiro, país sem memória , nos tornamos o próprio cemitério dos Vivos do qual fala o aniversariante do dia 13 de Maio: Lima
Sentir que não há futuro anula nossa humanidade diante da morte.A frase do filósofo Achile Mbembe bem pode ilustrar o sentimento que assola o Brasil de 2020.
Assim como outra: " Estamos sob efeito de um poderoso psicotrópico".
Nesta resenha abordo um tema que perpassa duas das películas dirigidas por Kleber Mendonça Filho : Recife Frio e Bacurau.
O tema do progresso foi algo que me chamou a atenção em alguns de seus filmes e retorna agora as minhas reflexões quando neste 2020 colhemos os frutos de uma expansão predatória do homem sobre as águas, a vida e os seres vivos.
Quando a pandemia começou me lembro de ler o artigo da antropóloga Els Lagrou:" Nisun: a vingança do povo morcego e o que ele pode nos ensinar sobre o coronavírus.
Em linhas gerais , Lagrou descreve a conversa que teve com seu amigo e líder de Canto do Cipó Irã Sales Huni Kuin que lhe contava que ele e os demais de sua aldeia se recolheriam na floresta devido a pandemia em virtude da vingança do povo Nisun ou povo morcego.
A intelectual explica que este povo compreende que existe uma relação entre os seres vivos e para utilizar as palavras dela:" toda predação desencadeia uma contra-predação."
Em Recife Frio acompanhamos por meio de um apresentador de programa de aventura a chegada de um fenômeno inexplicável em Recife: frio extremo.
Seguimos o tom de mocumentary num passeio pelas várias cidades que cabem dentro da cidade, casas que remontam ao período colonial e convivem com uma Recife Moderna de apartamento à beira mar.
Como discute em sua dissertação a intelectual @marialuizabr " o apagamento da diversidade cultural nas cidades brasileiras se deu por meio de diversas estratégias, sendo o mapeamento do território uma delas.Os poderes coloniais estabeleceram fronteiras políticas e geográficas que em grande parte não refletia quaisquer fronteiras culturais reais."
No curta os moradores de rua são os primeiros a morrer de frio, uma família de classe média que tem seu apartamento de frente para o mar percebe logoo que o bem perdeu valor.
O filho da família que passa a dormir no quarto mais quente da casa que pertencia a doméstica negra Gleicy.Mas a Gleicy está gostando do quarto maior não está?
Não é apenas a classe social que engendra e conforma os conflitos nessa Recife quer se quer moderna mas repousa em uma estrutura colonial, onde domésticas , negras em sua maioria não por coincidência e bem por afeição se dedicam ao trabalho duro.Nao é mais afinidade, é racismo mesmo.Em Bacurau o progresso como fracasso aparece no desenho sombrio de um Brasil do Norte x Brasil do Sul, apesar de ter sido filmado antes da vitoria de Bolsonaro a obra conseguiu captar com precisão aspectos históricos do Brasil que parecem se confundir com a realidade.Entretanto quem resume o filme a esses aspectos não entendeu o que assistiu.Sobre a violencia , alvo de muitas críticas sobre a obra, qual western( Sim, Bacurau é um western) que você assistir que não tem? De sete homens e um destino a Rastros de ódio qual deles não tem ação, vilão e mocinho?Bacurau e Recife Frio são arte.E que bom que incomodam.Pazuello que o diga não é mesmo?
Você é um corpo.
As alegorias tem um papel fundamental na criação de paralelos dentro das manifestações artísticas.
Para sair da ignorância tal qual o homem da caverna de Platão é preciso ver.
Sejam elas literárias, musicais ou aquelas que estao presentes no cinema.
O terror e o horror são gêneros do cinema cuja origem é a literatura
O terror tem a ver com o que você não vê, as sensações,é psicológico , enquanto o horror se relaciona ao que você enxerga pense em :" O médico e o monstro", "A hora do pesadelo", o brasileiro: " Morto não fala" ou qualquer slasher.
No cinema o gênero começou usando situações absurdas que podem ser lidas como reflexos da estrutura social como O Gabinete do Dr.Caligari e os primeiros filmes de Zumbi de George A.Romero.
É a semiótica que ensina que temos um vocabulário visual , para ler e entender seja a língua, uma placa de trânsito ou rir de uma piada.
Os melhores filmes de terror que assisti exploram clichês e revelam não o mundo real, mas o mundo do filme como escutei de Thiago Guimarães em um vídeo.
O corpo negro em Get out é desejado, leiloado, enquanto a mente vagueia presa em um limbo de esquecimento e assimilação.
A saída: destruição.
O que nos aterroriza na história de "Corra" não são os efeitos e nem a hipnose, é ver o nosso próprio mundo refletido no mundo do filme, tal qual uma alegoria.
Peele, inverte quase todos os clichês do gênero.
A mocinha não é boa, o casal não se conhece, e a amabilidade da recepção familiar oculta fatos em ótima referência a " Adivinha quem vem para jantar".
Os clichês que se mantém funcionam com excelência: se algo parece estranho, é por que é estanho. ", " escute as pessoas mais simples da trama.Em geral elas estão certas sobre o presente e o futuro", e o último e o melhor: " os vilões sempre precisam morrer mais de uma vez.
Muitos amigos negros relataram receio de assistir esse filme, a todos vocês eu digo: Fiquem tranquilos.Esse é um filme de terror psicológico onde o negro não morre no final.
REFERÊNCIAS
Artigo: Cinema de Horror: O medo é a alma do Negócio de Caroline Tavares.2011
Canais do youtube: Ora Thiago /VevsValadares
A angústia como condição do homem é um dos temas do cinema de Bergman, o cineasta teria feito 100 anos em 2018 se estivesse vivo, realizou mais de 50 filmes para o cinema e também para televisão.
Em O Sétimo Selo, um filme simples com contornos filosóficos Bergman reflete sobre Deus, fé, o nada e a arte como produção de vida. Originalmente concebido como peça de teatro o Sétimo Selo faz alusão ao livro do apocalipse bíblico onde os sete selos representam acontecimentos sobrenaturais para o cristianismo.
Na história acompanhamos Antonius Block que retorna para casa após lutar durante dez anos nas Cruzadas junto de seu escudeiro.
Em seu caminho encontra a morte que lhe fará companhia e jogará xadrez com Block até o desfecho final. Filmado com poucos recursos o longa mostra apuro técnico e a disposição de realizar com o que foi possível.
A inquietação que aflige Block revela a angústia por ter se perdido o sentido da vida ao seguir em campanha para defender ideais de uma fé cega. Boa parte das perguntas do cavaleiro são reflexo de um desassossego de quem constata que o obscurantismo lhe tirou o que poderia ter sido uma existência terrena de felicidade.
Logo no começo da película a morte aparece como personagem e se incorpora a trama, tendo variações de si própria ao longo da trama como a máscara de caveira que fica encostada na carroça do casal de atores da trupe que fazem parte do elenco do filme e que se tornam amigos e protegidos de Block.
A morte como personagem é bem humorada e prega peças como quando oculta o rosto fingindo ser um padre a quem Block se confessa.
Além dela, a peste ronda as personagens e é utilizada pelos monges como instrumento para submissão e causar medo na população, o que fica evidente durante a procissão religiosa que marca o caráter dual presente em todo a obra.
A alegria e apresentação dos artistas é interrompida pela procissão, a qual se segue uma mistura de sons de choro, estalar de chicote e ameaças dos eclesiásticos dirigidas a população.
No fim, o Sétimo Selo reflete sobre a morte para afirmar o poder da arte e dos artistas como grandes produtores de sentidos para o viver. Em tempos virulentos, Bergman
auxiliar a responder perguntas como as que li em dos livros do escritor libanês Khalil Gibran:" Oporemos ao mal um mal maior e diremos: É a lei? E combateremos o vício com outros vícios e diremos:É a moral?
REFERENCIAS : A morte no Imaginário Coletivo Medieval: O ohar contemporâneo de Ingmar Bergman no filme O Sétimo Selo.Artigo de Edilson Baltazar, apresentado na 29° Reunião Brasileira de Antropologia em 2014. E O Lobo a espreita.Catálogo Comemorativo do Centenário de Bergman.Publicaçao do SESC.2018
Guri é um convite a entrarmos no cotidiano de Victor, menino negro que quer vencer o campeonato de bolinha de gude do Barrão, em Vila Velha. Disponível no @spcineplayoficial, o curta que tem direção de Adriano Monteiro e produção de Daiana Rocha.Reflete sobre a vida de Victor, mas quem vemos agigantar-se na história é sua Mãe que lida com o racismo de forma objetiva e imponente cobrando da escola medidas importantes de reparação diante de uma conjuntura maior que inclui seu filho , mas é a ponta de um novelo que traduz situações de racismo cotidianas.
Com a escola no centro dos acontecimentos, o papel que a família exerce no mais das vezes na luta contra o racismo e com os mais velhos que nos acompanham, nessa história evocados ali pela personagem do ator Marcus Konká (que presença!) e contam uma história que também é a nossa.
Pelos dedos das crianças vemos a vida como é, e torcemos por Victor, sua Mãe, e o torneio. Guri é gostoso de ver e excelente aposta para que educadores e educadoras utilizem em sala para discutir o racismo e realizar inumeras formações país afora.
A partir das palavras pós-doutora em educação Nilma Lino Gomes :
Encontraremos também famílias negras que, atentas aos dilemas de seus filhos e filhas, enfatizam de forma positiva e de diversas maneiras a herança cultural negra. Esses grupos e essas famílias sempre pressionaram a escola e sempre cobraram desta instituição uma responsabilidade social e pedagógica diante da questão racial ( p.174. Artigo referencia no fim do texto) podemos elucidar e pensar em aspectos da trama e da vida.
Segundo Nilma existem diferentes espaços e agentes que interferem no processo de aceitação/rejeição do ser negro , a escola , espécie de microcosmo social está em um lugar de destaque na construção da autoestima de crianças pretas, a ideia que a auto estima carrega em muito simplificada pelos manuais de auto ajuda não tem a ver apenas com a estética, é sobre pensar futuro e passado e a capacidade de realizar ações, projetos, ter perspectiva para si e para os seus.
Ao assistir Victor me lembrei de mim bem criança, e de minha Mãe indo até a escola fazer o mesmo , cobrar medidas e ações diante de situações de racismo que aconteciam. O maternar da mulher negra aparece leve mas envolto em questões e preocupações, não sabemos quem é o Pai de Victor na película então intuímos que ele é criado por sua Mãe, abordando de forma discreta o tema da solidão da mulher negra.
O trabalho acaba sendo uma grande homenagem às mães e mulheres negras e sua capacidade de buscar/criar espaços seguros e sadios onde crianças possam ser apenas crianças, e o enfrentamento do racismo passe também pela inclusão da escola e a adoção de medidas reais e de uma abordagem verdadeiramente antirracista , tal qual preconiza de forma bela e didática Dr. Petronilha no parecer construído para a lei 10.639, atual 11.645 para explicar que a consciência negra deve ser desenvolvida entre os negros e estimulada entre os brancos.
Guri, é um excelente material para ser utilizado em muitos espaços de formação que incluem as infâncias e para além deles, é cinema.
Se o corpo é uma linguagem, continuaremos iletrados diante do que expressa o corpo negro ou iremos nos alfabetizar? Conheça iniciativas que trabalham infância e antirracismo , indico no instagram:@literetura @neab.ufes_oficial @pretariablackids .Mas há muitas, muitas mais bem aqui no ES, educadores e educadores negros e negras comprometidos com a produção, pesquisa e disseminação desse conteúdo para docentes.#cinemanegro#guri#infanciasnegras#spcineplay #movimentonegroeducador#cinema#dicasdecinema#
Referências: O movimento negrro educador de Nilma Lino Gomes e o artigo " Educação, identidade negra e formação de professores/as: um olhar sobre o corpo negro e o cabelo crespo.
Assistir “Quis” de Dominique Lima me fez lembrar da polêmica frase de Lacan “A mulher não existe” e a leitura da revista Cult na edição “O feminino de ninguém”, particularmente o artigo de Maricia Ciscato sobre a invenção da maternidade.
Na sinopse do filme acompanhamos Catarina que entra em coma. Sua irmã mais nova permanece ao seu lado diariamente, ao passo que sua mãe, Rita, a não consegue visitar a própria filha mesmo com a insistência da irmã de Catarina..
No filme acompanhamos os desdobramentos da vida em família partilhada pelo olhar do trio de mulheres, na perspectiva de Catarina que sonha, imagina, passeia, podemos imaginar que ela se recuperará depois do banho de pipoca que recebe, mas será real ou devaneio? Não sabemos.
A matriarca do clã e mostra distante e inacessível, mesmo diante da possível morte da filha, o que nos faz pensar.
Dizer que a Mulher não existe é uma boa provocação que vem no sentido de pensarmos em unidade, ainda que atravessados por uma coletividade, somos únicos. Como lidar com o que é passado em meio as vicissitudes do tempo e da vida? É possível escapar do passado? Como honrar o que nos constitui sem nos perder no desejo do outro?
Quis é daquele tipo de curta em que imaginamos o que terá acontecido às personagens depois que ele termina, o que foi feito de Catarina e sua Mãe?
E coloca algumas questões: É possível superar o ressentimento em uma relação familiar de longo prazo? Será que para algumas pessoas é mais simples seguir sendo como sempre foram, pois, encarar o peso dos erros do passado pode reduzí-las a pó e angústia? Qual a importância de rompermos com as ficções que constroem para nós e que construímos para nós mesmos?9 sem
Só assim poderemos andar livres em Nova York ou nas ruas do Centro de Vitória?
A praia e as ondas no filme remetem ao esquecimento, a essa memória esmaecida de Catarina que não é de toda ficção, mas é também sonho, a partir do olhar dela adulta e criança encontramos três mulheres em crise com o passado, do qual nem mesmo Catarina em coma consegue escapar.
Finalizo rememorando o podcast “literatura de chinelos mais especificamente episódio 9 com a leitura da crônica de Clarice Lispector: “Você é um número” onde a autora pela voz da escritora e sociológa Munah Malek de forma singular questiona não as estatísticas, mas nossa ilusão de reduzir quem somos a uma pilha de dados amorfos, empilhados lado a lado como os bonecos que figuram nas campanhas de saúde mas não tem cor, nem rosto e nem história.
Somos únicos e incompletos.
O Cinema R nasceu em meio a pandemia da COVVID-19 em 28 de abril de 2020 com pequenas resenhas e textos confeccionados por Renata Costa para as redes sociais. Renata Costa é cinéfila, escritora , Mestre em Ciências Sociais .
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